No passado dia 7 de novembro, o Exmo. Senhor Primeiro-Ministro António Costa entregou, junto de sua Exa. o Senhor Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, o seu pedido de demissão, na sequência de um comunicado da autoria do Gabinete de Imprensa da Procuradoria-Geral da República, que tornou público que “(…) no decurso das investigações surgiu, além do mais, o conhecimento da invocação por suspeitos do nome e da autoridade do Primeiro-Ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos no contexto suprarreferido” e que “Tais referências serão autonomamente analisadas no âmbito de inquérito instaurado no Supremo Tribunal de Justiça, por ser esse o foro competente”.
Não descurando as naturais consequências políticas deste acontecimento, não é de somenos ter em consideração as consequências jurídicas que o mesmo acarreta, em particular, no que respeita às seguintes questões:
- Quais as opções que se encontram na disponibilidade do Presidente da República;
- Em que momento se efetiva a demissão do Primeiro-Ministro;
- Quais as consequências para a lei do Orçamento do Estado para 2024.
A presente nota informativa tem em vista sumarizar o enquadramento jurídico da recente demissão do Exmo. Senhor Primeiro-Ministro, bem como dar resposta às questões acima expostas.
- Quais as opções que se encontram na disponibilidade do Presidente da República?
Face à factualidade descrita, compete agora ao Exmo. Senhor Presidente da República tomar as decisões, que dentro dos limites da Lei Constitucional, se apresentam como possíveis.
Em primeiro lugar, pode optar pela aceitação da demissão do Exmo. Senhor Primeiro-Ministro, com a consequente demissão do Governo (cfr. art. 195.º, n.º 1, al. b) da Constituição da República Portuguesa (em diante, “CRP”) e pela dissolução da Assembleia da República (cfr. arts. 133.º, al. e) e 172.º da CRP). Nesse caso, o Exmo. Senhor Presidente da República deverá marcar novas eleições, que deverão ocorrer nos sessenta dias subsequentes, nos termos do disposto no artigo 113.º, n.º 6 da CRP.
Não se poderá deixar de frisar que a demissão do Governo só é possível, nos termos do disposto no artigo 195.º, n.º 2 da CRP, quando “tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o conselho de estado”, pelo que a audição deste órgão se demonstra essencial para que possa ser esta a decisão do Chefe de Estado.
Por outro lado, tem sido entendimento de muitos constitucionalistas que ao Exmo. Senhor Presidente da República caberá uma segunda alternativa: a de, ouvido o partido no poder e demais partidos da oposição, nomear um novo Primeiro-Ministro da força política no poder (cfr. artigos 133.º, alínea f) e artigo 187.º, n.º 1, todos da CRP), mantendo-se em funções a atual Assembleia. Neste caso, não seriam agendadas novas eleições.
- Em que momento se efetiva a demissão do Primeiro-Ministro?
Em primeiro lugar, cabe realçar que, nos termos da Lei, o pedido de demissão do Primeiro-Ministro deve ser aceite pelo Presidente da República e que, embora seja já do conhecimento público a aceitação informal, pelo Exmo. Senhor Presidente da República, da demissão apresentada pelo Exmo. Senhor Primeiro-Ministro, é de sobeja relevância salientar que essa demissão só produzirá efeitos com a publicação em Diário da República, pelo Chefe de Estado, do competente Decreto do Presidente da República.
Questão diferente é até que momento se manterão em funções os órgãos cessantes, o que dependerá sempre da decisão, de entre as possíveis acima expostas, tomada pelo Exmo. Senhor Presidente da República.
Caso o Exmo. Senhor Presidente da República venha a optar pela demissão do Governo e dissolução da Assembleia da República e subsequente marcação de novas eleições, quer a Assembleia da República, quer o Primeiro-Ministro cessante manter-se-ão em funções até que a nova Assembleia e o novo Governo tomem posse.
Assim é que, nos termos do artigo 186.º, n.º 4 da CRP, “em caso de demissão do Governo, o Primeiro-Ministro do Governo cessante é exonerado na data da nomeação e posse do novo Primeiro-Ministro” e que, nos termos do n.º 3 do artigo 172.º da CRP “a dissolução da Assembleia não prejudica a subsistência do mandato dos Deputados, nem da competência da Comissão Permanente, até à primeira reunião da Assembleia após as subsequentes eleições.”
Apesar disso, é de realçar que, durante o período interino que medeia a data da formalização da demissão e dissolução e a data da tomada de posse dos novos órgãos, a atuação do Governo se limitará “à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 186.º da CRP.
Caso o Exmo. Senhor Presidente da República venha a optar pela nomeação de um novo Primeiro-Ministro, atendendo ao disposto no referido artigo 186.º, n.º 4 da CRP, o atual Exmo. Senhor Primeiro-Ministro cessará as suas funções na data da tomada de posse do Primeiro-Ministro nomeado para o substituir.
- Quais são as consequências para a lei do Orçamento de Estado para 2024?
Em consequência dos últimos acontecimentos, a proposta de lei do Orçamento do Estado para 2024, já votada e aprovada na generalidade, e que, de momento, aguarda apreciação na especialidade, com votação final global marcada para o próximo dia 29 de novembro, vê a sua eventual aprovação ganhar contornos de alguma complexidade.
Do ponto de vista jurídico, o artigo 58.º, n.º 1, alíneas a) a d) da Lei do Enquadramento Orçamental prevê as situações em que a lei do Orçamento do Estado em vigor pode ver a sua aplicação ser prorrogada no tempo.
Daquelas ressalta-se, com efeito útil para o tema apreço, a alínea c) da norma mencionada, que prevê como causa dessa prorrogação: “a caducidade da proposta de lei do Orçamento do Estado em virtude da demissão do Governo proponente”.
Assim, e no caso de Exmo. Senhor Presidente da República optar pela demissão do Governo e dissolução da Assembleia da República, será aplicável a norma supratranscrita, com a consequência de se ver aplicado, em 2024 e até que seja aprovada nova lei do Orçamento do Estado, a lei do Orçamento do Estado de 2023.
Sem prejuízo, a aplicação da lei do Orçamento do Estado do anuário transato será realizada em regime de duodécimos (cfr. art. 58.º, n.º 4 da Lei do Enquadramento Orçamental), apenas se excetuando “[D]as despesas referentes a prestações sociais devidas a beneficiários dos sistemas de proteção social, a direitos dos trabalhadores, a aplicações financeiras e encargos da dívida, a despesas associadas à execução de fundos europeus, bem como a despesas destinadas ao pagamento de compromissos já assumidos e autorizados relativos a projetos de investimento não cofinanciados ou a despesas associadas a outros compromissos assumidos cujo perfil de pagamento não seja compatível com o regime duodecimal.”
Também nesta sede será de sobeja relevância a atuação do Exmo. Senhor Presidente da República pois que ao mesmo sempre caberá a possibilidade de apenas efetivar, formalmente, a demissão do Exmo. Senhor Primeiro-Ministro e respetivo Governo, bem como a dissolução da Assembleia da República, após a aprovação final da lei do Orçamento do Estado para 2024 de modo a não constranger a abrangência e capacidade de atuação do novo Governo nessa sede.
Cumpre, assim, esperar pela decisão do Chefe de Estado para aferir quais as suas consequências no que concerne à lei do Orçamento do Estado e aos mais variados setores socioeconómicos aí visados, não esquecendo que o Orçamento do Estado em discussão conta com diversos pontos geradores de acérrimo debate entre as variadas forças políticas (tais como o aumento do IUC e as alterações a vários regimes fiscais).