A liberdade de escolha do testador da pessoa a quem deixa o seu património é defendida na Lei Portuguesa como um poder decorrente do direito de propriedade, que se estende para além da vida do seu titular.
No entanto, para além dos limites de disposição quantitativos, que impedem da disposição da totalidade do seu património, também existem limites qualitativos, no que toca às pessoas que podem ser definidas como herdeiras, mesmo que tal seja a vontade do testador.
Se no passado foram célebres os casos em que havia testamentos feitos no leito de morte em benefício, por exemplo, da igreja, almejando a redenção dos pecados de uma vida e assim a salvação eterna, tal prática é hoje em dia proibida por lei, como um óbvio abuso de uma posição limite de fraqueza do testador, viciante da vontade deste.
A protecção da Lei que se verifica nestas situações acontece como um limite ao livre arbítrio do testador. E não se resume hoje à religião, pois o progresso da ciência trouxe novas situações que podem viciar a vontade.
Nos tempos que correm, com a fundamental importância do exercício das profissões ligadas aos cuidados de saúde em situações de vida ou de morte, é fácil de perceber que há uma dependência do testador de quem cuida de si.
É nesse sentido que o Artigo 2194.º do Código Civil vem abranger nas pessoas que não podem ser beneficiários de testamento os Médicos e Enfermeiros, se aquele for feito durante a doença que estiver a ser tratada e de que testador venha a falecer, tal como acontece com o sacerdote que acompanhe o testador no final da sua vida.
Esta norma visa a protecção do doente no que toca à influência que o seu testamento pode trazer na qualidade dos tratamentos que lhe são administrados.
Dúvidas houvesse, fica assim protegido o próprio profissional de saúde, visto estarem sempre acima de qualquer dúvida o respeito pelos princípios deontológicos da medicina, não podendo ser beneficiados com a morte do seu doente, evitando suspeições comuns quando o tema é a herança do seu património.
Em tempos de pandemia, com a particularidade de, ao que se sabe, ser mais letal nas pessoas de idade mais avançada, esta questão ganha particular relevância, nunca podendo haver dúvidas quanto à idoneidade dos profissionais de saúde.
Outra limitação à vontade do testador ocorre no caso de o testador definir como beneficiário alguém com quem cometeu adultério, tal como determina o Art.º 2196.º do Código Civil, a não ser que o casamento do testador já se encontre dissolvido, já existir separação judicial de pessoas e bens ou ainda se estivessem separados de facto há mais de 6 anos.
Poderá no entanto essa pessoa ser beneficiária do testamento desde que apenas sejam assegurados os seus alimentos.
Note-se que a nulidade das disposições que violem estas regras não se estende ao resto do testamento, vigorando este normalmente no seu remanescente.